
Decididamente, o ano de 2006 tem sido o ano de comemorações especiais para os técnicos ingleses. Depois de Arsène Wenger comemorar 10 anos à frente do Arsenal, um outro técnico tem motivos em dobro para comemorar:
Alex Ferguson está a frente do Manchester United há duas décadas! Ou seja, enquanto Wenger chegava ao Arsenal, Ferguson já estava no futebol inglês como técnico há 10 anos. Nem preciso dizer que é utopia total no Brasil, não é PC Gusmão?
A exemplo de Wenger, Ferguson é mais do que um simples treinador. É um exímio manager. Todas as contratações do United passam pelo seu crivo. E seu olhar clínico já fez estrelas brilharem no Old Trafford, tais como Eric Cantona, Paul Ince, Roy Keane, David Beckham, Ruud Van Nilsterooy, Cristiano Ronaldo, Paul Scholes, entre outros. Não é a toa que seu nome está no hall da fama do futebol inglês. Então, vamos conhecer um pouco mais da carreira desse excepcional técnico e vencedor.
A Carreira
Nascido em 31 de dezembro de 1941, em Glasgow, Escócia, Alexander Chapman Ferguson iniciou sua jornada no futebol como atacante. Ainda amador, começou a dar seus primeiros chutes pelo Queen’s Park, em 1958. Era considerado um atacante mediano, mas fez algum sucesso jogando no futebol escocês, de onde nunca saiu. Foi para o St. Johnstone, passou também pelo Dunfermline e de lá transferiu-se para o tradicional Glasgow Rangers por cerca de 65 mil libras, na época, a transferência mais cara entre dois clubes escoceses. Jogou também pelo
Falkirk, onde começou a desenvolver seus primeiros trabalhos como treinador – mesmo atuando como jogador – até terminar sua carreira de atleta no Ayr United, em 1974, com apenas 32 anos.
No mesmo ano em que encerrou sua carreira de jogador, Ferguson foi dirigir o East Stirlingshire, mas não completou nem um ano à frente do clube, pois logo foi convidado para dirigir uma equipe mais estruturada, o St. Mirren.
Chegando ao St. Mirren, Ferguson desenvolveu um trabalho para levar a equipe ao acesso a primeira divisão escocesa. E conseguiu levar os
Buddies até a principal divisão do país em 1977. Mas seu estilo linha dura perdurava e Ferguson começou a dar palpites até mesmo na mudança das tradicionais cores do time, o preto-e-branco. O episódio causou mal estar dentro do clube e Ferguson acabou por ser demitido em 1978. Demissão essa, que foi a única de sua carreira de treinador, que já perdura por mais de 32 anos.

No mesmo ano, ele foi contratado pelo Aberdeen, que a exemplo de hoje, mesmo com o domínio de Celtic e Rangers, era uma das principais equipes da Escócia. Logo no início de sua trajetória no Aberdeen, chegou a final de duas Copas Escocesas, mas o título lhe escapou nas duas oportunidades. Seu primeiro título não viria tarde. Ferguson levou os
Dons a taça da Liga Escocesa, na temporada 1979/1980, o primeiro título de expressão da equipe em 25 anos (o último havia sido conquistado em 1955) e o primeiro da quebra de um tabu: nos últimos 15 anos, Celtic e Rangers alternaram-se na conquistas da Liga. E com Furious Fergie no comando do Aberdeen, a equipe escocesa viveu o principal momento de sua história. Até 1986, os Dons conquistaram mais duas Ligas consecutivas (de 1983 a 1985), a
Recopa Européia, deixando pelo caminho tradicionais times como o Bayern Munique e o Real Madrid, na final disputada em 1983, uma Supercopa Européia, sobre o Hamburgo, também em 1983 e duas Copas da Liga escocesa. Até hoje, o Aberdeen é o único time escocês a conquistar duas competições

européias.
Com a morte do técnico da Escócia, Jock Stein, Ferguson assumiu a seleção às vésperas da Copa de 1986. Após vencer a repescagem contra a Austrália, Ferguson não conseguiu levar a seleção muito longe na Copa do México. Foram apenas um ponto em três jogos (derrotas para Dinamarca e Alemanha Ocidental e empate contra o Uruguai) e Ferguson acabou deixando o comando da seleção.
Apesar do revés na Copa do Mundo, era óbvio que choveriam propostas para que ele galgasse degraus mais altos. Ferguson chegou a receber propostas do Arsenal, Tottenham, Rangers e até mesmo do poderoso Barcelona, mas Fergie optou por permancer no Reino Unido e aceitou uma proposta do Manchester United.
Mas o cenário em Manchester não era nada animador: a crise no time era grande, pois não conquistava títulos expressivos há tempos e a última crise havia culminado com a demissão do técnico anterior, Ron Atkinson. Furious Fergie tinha um clube em péssima fase, com muitos jogadores alcólatras. Apesar de recuperar alguns destes jogadores e faze-los produzir para o time, Ferguson conseguiu apenas uma modesta 11ª colocação na Liga em seu ano de estréia. Muito pouco para um time do porte dos Red Devils. Continuou a fazer campanhas modestas, salvo um vice-campeonato inglês em 1987/88. Demoraria quatro anos, como no Aberdeen, para que seu trabalho começasse a gerar frutos.
Mesmo com boas contratações para temporada 1989/90, como Paul Ince, por exemplo, o Manchester andava mal das pernas. E o trabalho de Ferguson começou a ser contestado pelos torcedores, imprensa e dirigentes. Muitos já pediam sua cabeça, pois em mais de três anos, não havia conquistado nada pelo clube. E o fundo do poço para Fergie viria em dezembro de 1989. O Manchester fechou aquele ano com oito jogos sem vitória (seis derrotas e dois empates). Ferguson afirma que “foi o período mais negro de sua carreira”.
Mas as coisas começariam a mudar em janeiro de 1990. O Manchester havia chegado a final da Copa da Inglaterra, contra o Nottingham Forrest, considerado favorito na época para papar a taça. Após empatar a primeira partida em 3 a 3, o técnico resolver sacar o goleiro titular do Manchester, Jim Leighton, por considerar que este não estava bem mentalmente e colocou em seu lugar Les Sealey. Um golpe de mestre. Sealey fechou a meta e o United levantou a taça, vencendo a segunda partida por 1 a 0. Era seu primeiro título nos
Red Devils, em quase quatro anos à frente da equipe. Mas na Liga local, as coisas não andavam nada bem, pois o time havia sido apenas o 13º ao final daquela temporada.
No ano seguinte, Ferguson levaria o Manchester ao título da Recopa (que o treinador já havia ganho com o Aberdeen) ao bater na final o poderoso Barcelona de Ronald Koeman e cia., por 2 a 1. Mesmo com a conquista de título importante, ainda faltava conquistar a Liga Inglesa, que o United não vencia desde a temporada 1967/68. E conquista-la era a obsessão do treinador escocês. Em 1991/92, apesar da conquista da Copa da Liga, Ferguson não conseguia emplacar os
Red Devils ao título do Campeonato Inglês. A equipe liderou grande parte da competição naquele ano, mas deixou o título escapar para o Leeds.
O ano da afirmação de Ferguson foi o de 1992. Por indicação sua, o United contratou o atacante francês Eric Cantona, junto ao Leeds. Cantona formaria com o galês Mark Hughes uma dupla de frente infernal, que tiraria o Manchester da fila de Campeonatos Ingleses, que perdurava por 26 longos anos. E Ferguson foi eleito o melhor treinador daquele ano, prêmio que dali para a frente, tornaria-se rotineiro em sua carreira vencedora. No ano seguinte, outro jogador importante da era Ferguson chegava a Manchester: o irlandês Roy Keane. E juntos, conquistaram o bicampeonato da Liga e venceram a Copa da Inglaterra, na temporada 1993/94.
Os talentos e os campeonatos começaram a brotar em Manchester. Após a perda de jogadores importantes, de suas mãos surgiram os jovens David Beckham, Phil e Gary Neville, Paul Scholes e Nicky Butt. E os “Franguinhos de Ferguson” levaram o time a conquista de mais dois campeonatos ingleses, em 1995/96 e 1996/97. Ferguson havia colocado novamente o Manchester United como o time a ser batido na Inglaterra.

E em 1998/99, o Manchester atingiu o melhor momento de sua história. Venceu a Liga Inglesa por um ponto, em disputa emocionante com Arsenal, a Copa da Inglaterra, sobre o Newcastle e a
Liga dos Campeões sobre o Bayern, em jogo emocionante. O Bayer vencia por 1 a 0 até os 45 minutos do 2º tempo, quando dois gols foram marcados nos três minutos de acréssimo, por Teddy Sheringham e Ole Gunnar Solskaer. O milagre no Nou Camp, palco da final, coroou a “Trinca” do Manchester, que não vencia a mais importante competição de clubes da Europa desde 1968. O time ainda venceria o Palmeiras na Final da Copa Intercontinental por 1 a 0, fechando com chave de ouro o ano de 1999. Essa equipe já consagrava figuras como o goleiro Peter Schmaichel, Beckham, Scholes, Sheringham e Giggs, entre outros. O domínio vermelho de Manchester na ilha duraria mais duas temporadas, com o tricampeonato inglês (entre 1999 e 2001).
O equilíbrio doméstico que se seguiu a partir daí fez com que o domínio do Manchester caísse frente ao fortalecimento de times como o Arsenal e o Chelsea, mas é inegável dizer que Alex Ferguson recolocou o Manchester no caminho das glórias. O jogo de número 1000 de Ferguson à frente do United aconteceu na vitória sobre o Lyon por 2 a 1, em novembro de 2004.
Os números de Ferguson são realmente impressionantes. Até o início da temporada 2006/2007 ele havia liderado os Red Devils em 1070 jogos, conseguindo 612 vitórias (57,2%), 258 empates (24,1%) e apenas 200 derrotas (18,7%). Armou o time para marcar 1919 gols e sofreu 989. Estatísticas essas que comprovam que ele é o técnico britânico mais vencedor de todos os tempos e que também o coloca na galeria dos maiores vencedores de toda a Europa.
Na atual temporada, o Manchester já é o líder isolado do Campeonato Inglês, com jovens promessas como Rooney, Cristiano Ronaldo e Fletcher, mescladas a experiência de consagrados jogadores como Van der Sar, Ferdinand, Scholes e Giggs. E o Manchester novamente figura como um dos favoritos ao título, tanto no Inglês, quanto na Copa dos Campeões.

Nomeado com a Ordem do Império Britânico (OBE) e eleito seis vezes como o técnico do ano na Inglaterra, Alex Ferguson completou no último dia 6 de novembro, 20 anos à frente do Manchester. Mais do que todo esse tempo dedicado ao clube, ele reescreveu uma página na história do United, deixando-o novamente entre os principais times europeus na atualidade. Sem citar aqui o trabalho sensacional que ele desenvolveu no mediano Aberdeen, que após sua saída nunca mais conseguiu ser o mesmo.
Muitos defendem que o estilo durão é ultrapassado para o futebol moderno. Técnicos como Ferguson provam o contrário. Famoso por mexer com o brio dos jogadores e adotando o estilo “linha-dura”, o treinador escocês fez e faz história. Treinadores como ele fazem falta ao futebol, pois numa modalidade onde o estrelato influencia tanto os jogadores, um treinador como ele baixa os egos em um nível aceitável. Acho que não necessitamos tanto de treinadores-psicólogos, mas sim de grandes tácticos que também sejam “paizões”. Daqueles que sejam duros sempre que necessário, mas que reconheçam os méritos de seus pupilos e que ao mesmo tempo, saibam como administrar um elenco, dentro e fora das quatro linhas. Os súditos do Manchester United curvam-se a Sir Alex Ferguson, duas décadas de bons serviços prestados.
Perfil:
Nome Completo: Alexander Chapman Ferguson
Nascimento: 31 de dezembro de 1941, em Glasgow, Escócia
Apelidos: Furious Fergie
Clubes: Como jogador – Queen’s Park (1958–1960), St. Johnstone (1960–1964), Dunfermline (1964–1967), Glasgow Rangers (1967-1969), Falkirk (1969-1973) e Ayr United (1973-1974). Como treinador – East Stirlingshire (1974), St. Mirren (1974-1978), Aberdeen (1978-1986) e Manchester United (desde 1986)
Títulos: 3 Ligas Escocesas
4 Copas da Escócia
8 Ligas Inglesas
5 Copas da Inglaterra
2 Recopas Européias
1 Liga dos Campeões
1 Mundial Interclubes