14.2.12

Triunfo de duas décadas

Libreville, 1993: Acidente aéreo tira vida da mais talentosa geração de futebolistas da Zâmbia

Sem Camarões, Nigéria e Egito, potências africanas para esta CAN, muitos apontavam o baixo nível técnico das equipes e os desfalques aos poderosos clubes europeus como empecilhos em meio ao torneio de 2012, realizado em conjunto por Gabão e Guiné Equatorial. Se não fomos brindados com partidas de grande primor técnico, esta Copa Africana de Nações trouxe dois fortes pilares que reforçam a paixão pelo futebol por todo o planeta: emoção e histórias para contar. E ambos, fortemente, estavam nas sedes do ainda conturbado continente negro, como na história da nova Líbia contada no texto anterior a este.

Finalista e uma das cotadas ao título antes do apito inicial, Costa do Marfim perseguia a taça da CAN desde seu último triunfo, em 1992, com uma seleção emergente do continente nos últimos anos e tendo astros da estirpe de Didier Drogba, Yaya e Kolo Touré, Gervinho e outros em grandes centros europeus. Do outro lado, uma geração que tem boa parte de seus integrantes ainda no futebol africano e que buscava algo tão grande quanto a taça inédita em sua breve história como nação independente (era colônia britânia até 1963): a de honrar a mais talentosa geração de atletas locais, morta há quase 19 anos atrás.

À época, Zâmbia pintava como uma das forças do continente e fazia ótima campanha nas Eliminatórias da Copa do Mundo dos Estados Unidos. Contudo, em 27 de abril de 1993, o avião que transportava a delegação zambiana e o sonho de um povo foi interrompido por um desastre aéreo, que vitimou os 18 jogadores do elenco, mais a comissão técnica, tripulação e jornalistas, totalizando 30 mortos em Libreville, no Gabão, poucos minutos após a decolagem que os levaria para encarar o Senegal. Com os substitutos das vítimas mortas na Praia Sablière, os Chipolopolo (Balas de Cobre, alusão ao principal metal exportado pelo país), bateram na trave e só perderam a vaga no Mundial por conta da uma derrota para o Marrocos, fora de casa - depois do desastre, foram mais duas vitórias e um empate no torneio eliminatório.

Artilheiro zambiano, Bwalya escapou do acidente fatal por acaso: ídolo assumiria a presidência da federação local, 15 anos depois

A geração substituta parecia tão talentosa quando a anterior. Tanto que Zâmbia alcançaria boas performances nas CANs seguintes ao desastre no Gabão: vice-campeã em 1994 (Tunísia), caindo diante da forte Nigéria, e terceira em 1996 (África do Sul) - campanha que lhe assegurou a melhor colocação em um ranking Fifa, como 15º, em fevereiro de 1996, em equipe liderada pelo atacante Kalusha Bwalya, astro do time que escapou da tragédia por embarcar em outro voo direto para a Holanda, onde defendia o PSV Eindhoven. Desde então, tentou, como jogador (encerrou sua carreira em 2001) e como técnico (entre 2003 e 2006) levar Zâmbia ao Panteão da bola. Mas os talentosos jogadores da década anterior não tiveram continuidade nos anos seguintes e o time acabou ofuscado no cenário continental - chegando ao modesto 112º lugar do ranking de seleções em fevereiro de 2011, quase um ano antes da epopéia na CAN.

Libreville, 2012: na mesma Praia Sablière, Bwalya e jogadores do atual elenco homenageiam mortos antes da final da CAN

Bwalya continuou em sua incessante jornada ao assumir a presidência da federação local, em 2008. Sob sua gestão, Zâmbia já havia chegado às quartas de final da CAN 2010, em Angola. Contudo, em uma história com cara de roteiro cinematográfico – assim como a dos Springboks sul-africanos do pós-Apartheid, abençoados por Nelson Mandella e campeões mundiais de rúgbi em 1996, o que deu origem ao aclamado filme Invictus -, os Chipolopolo tinham a chance de honrar a talentosa geração de 1993. Pelo destino que parecia previamente traçado, na mesma capital gabonesa.

A volta à cidade que havia “tirado” uma geração de filhos zambianos só ocorreu na última das sete partidas para a campanha do título inédito. Vencedora do Grupo A, a equipe comandada pelo técnico francês Herve Renard poderia ter reencontrado a capital caso fosse segunda na chave, durante a semifinal. Mas jogadores como o goleiro Mweene, o habilidoso meia Mayuka e o capitão e matador Chris Katongo deixaram grandes da África como Senegal e Gana para que a história, de 120 minutos e 18 cobranças de pênalti, tivesse um capítulo novo e feliz, na mesma Libreville triste de 1993. Zâmbia, campeã africana.