16.9.11

Cai-cai é cultural

A nova polêmica da vez refere-se à opinião do goleiro Rogério Ceni, do São Paulo, acerca da postura do atacante Neymar, do Santos, diante da marcação (muitas vezes implacável, é verdade) dos defensores do futebol brasileiro. “Garanto que nem 50% das entradas são faltosas, nem 50%. Agora, que ele é o melhor jogador do Brasil não se discute. Mas em 50%, é simulação”, opinou o capitão do Tricolor ao Bem, Amigos, do Sportv. Logo a joia santista respondeu com um texto em seu site oficial, de autoria do jornalista Alex Bernardo, dizendo que é preciso “proteger o talento” e atacando o arqueiro diretamente: “Rogério Ceni é chato pra c******”.

Ao tocar no assunto, Ceni abordou, mesmo que de forma indireta, uma cultura lamentável que está no DNA de boa parte dos atacantes do futebol brasileiro: o cai-cai, que consiste no abandono de chances de criação ou conclusão de jogadas para ludibriar o árbitro em simulações espetaculosas de faltas ou pênaltis. Também indiretamente, boa parte dos torcedores brasileiros não corroboram com tal postura. Prova disso é a idolatria aos jogadores de cultura totalmente oposta ao cai-cai, como argentinos e uruguaios. Craques ou não, torcedores daqui não cansam de exaltar a incansável luta de jogadores como Tevez ou Herrera (exemplos atuais e diametralmente opostos quanto à técnica). Pelo globo, cresce a admiração pelo futebol de jogadores como Rooney, Drogba, Forlán ou Diego Milito, de características semelhantes na luta para balançar as redes.

Com todas as restrições que possam existir sobre a postura de Ceni, trata-se de um jogador diferenciado do estereotipado por aqui, culturalmente e na maneira de se expressar. E especificamente nesse caso, a opinião do veterano não foi pejorativa ao brilhante futebol do santista. Falar em “50%” é algo hipotético, uma figura de linguagem que mostra que muitas das faltas marcadas sobre Neymar não são legítimas. Fato que não encobre, por exemplo, que Neymar foi o grande responsável pela conquista da Libertadores 2011 pelo Santos. Nem que Rogério deu uma opinião equivocada sobre o mesmo Neymar sobre a nefasta paradinha, em fevereiro de 2010, já que o camisa 1 usou deste artifício para marcar alguns dos seus gols de pênalti.

Nenhum jogador, craque ou brucutu, deve ter “atenção especial” da arbitragem. Por ter mais recursos técnicos, o camisa 11 tem maior chance de se livrar dos zagueiros. E também de ser caçado impiedosamente por eles. É onde deveria entrar a arbitragem, punindo quem é passível de punição. E até o polêmico STJD, dependendo da gravidade da infração/agressão que extrapole o aceitável nas quatro linhas.

Muitos comparam Neymar a Messi. Ambos têm talento inegável, já decidiram campeonatos e são estrelas do futebol mundial – o craque do Barcelona, mais velho, tem mais tarimba e está muito à frente do brasileiro, em minha visão. Contudo, a grande diferença entre eles em situações como essa é a cultura futebolística. Com a bola colada no pé e sem medo dos defensores, Messi apanha, mas é difícil de ser derrubado e marca gols antológicos com maior frequência. Neymar, em diversas oportunidades, prefere a segurança do gramado, após um mergulho cinematográfico. Mesmo tendo técnica para criar pérolas tão frequentemente quanto o camisa 10 do Barcelona e da Argentina.

E o destino inevitável da carreira de Neymar, o futebol europeu, já está de olho não só em sua técnica inegável, mas também da capacidade “cênica” do prodígio brasileiro, como mostra o jornalista Mauro Cezar Pereira em seu texto sobre o assunto, em seu blog na ESPN. E lá não é como cá, já que os europeus prezam mais o jogo limpo (ao menos nesse caso), condenando o cai-cai, este produto no qual o futebol brasileiro é especialista em produzir. Com tanta criatividade quanto belas jogadas e um gol de prata, infelizmente.

13.9.11

Erick Torres: o sucessor de Chicharito

*Texto redigido originalmente para a seção Fique de Olho, do Olheiros

“Jovem atacante do Chivas e das seleções mexicanas de base é cobiçado pelo Manchester United”. Se a notícia não fosse dada pela imprensa inglesa em junho de 2011, certamente o leitor teria pensado no nome de Javier “Chicharito” Hernández, que brilhou na última temporada europeia pelos Red Devils, com 21 gols em 28 jogos. Porém, certamente, o nome em questão pode ser considerado o seu sucessor: o atacante Erick “El Cubo” Torres, 18 anos. E assim como o camisa 14, construiu toda a carreira no Chivas Guadalajara, sendo alçado muito jovem ao time profissional.

Além do interesse recente do mesmo time do compatriota, ele usa a camisa 15 no Chivas (Chicharito sempre usou a conhecida 14). Mas ascendeu ao time profissional muito mais rápido que Hernández, que demorou quase três temporadas para se firmar, deixando uma lacuna no ataque da equipe ao partir para a Inglaterra após a Copa do Mundo da África do Sul. A falta de gols da equipe e as circunstâncias acabaram colocando-o como substituto de Chicharito no Chivas. Uma responsabilidade bem cumprida, até aqui, pelo jovem talento – que também esteve no grupo de El Tri que conseguiu ótimo terceiro lugar no último Mundial sub-20, disputado na Colômbia.

Filho de Guadalajara

Outro ponto que remete à comparação entre Hernández e Torres é o fato de ambos serem crias do Chivas e oriundos de Guadalajara. Erick chegou ao clube muito cedo, com apenas 8 anos de idade. Pouco tempo depois, ganharia o apelido que carrega até hoje, fruto das brincadeiras dos garotos do elenco. Por causa de um corte de cabelo, aliado ao formato natural da cabeça de Erick, “El Cubo” acabou virando uma espécie de marca registrada do atacante.

Com um faro de gol apurado, pavimentou rapidamente seu caminho nas categorias de base da equipe mexicana. Apesar dos números não serem totalmente precisos, estima-se que o matador balançou as redes por 51 vezes em 75 jogos pela equipe sub-17, segundo levantamento da imprensa do país. Dado o histórico de Torres, não é de se duvidar, já que ele atuou nesta categoria desde os 15 anos de idade.

Já como capitão do Chivas sub-17, se destacou no vice-campeonato do Torneio Bicentenário de 2010, disputado no México. Apesar de batido pelo São Paulo de Lucas Piazón por 4 a 2, El Cubo marcou os dois gols mexicanos. A performance no título do Torneio Apertura da categoria foi premiada em 23 de novembro de 2010, quando fez seu debute pela equipe principal aos 17 anos, ao entrar no minuto 77 contra o Monterrey, na última partida da temporada regular.

“Este é o dia com o qual sonhei 17 anos da minha vida. Eu esperava e sonhava muitas noites, pensando em dias de treinos em que levantei cedo e que basearam-se nesses 15 minutos da minha vida, na estreia no time principal”, analisou o jovem ao site mexicano Medio Tempo. Mal sabia que este seria apenas o início de fortes emoções e da evolução que viria na temporada seguinte.

Um 2011 meteórico

José Luis Real vivia um dilema, depois de duas rodadas de desempenho pífio do ataque do Rebanho Sagrado (como é conhecido o Chivas) – de jogadores conhecidos no país como Alberto Medina, Omar Arellano e o experiente Adolfo Bautista. Por isso, o técnico promoveu de vez “El Cubo” ao time principal, surpreendendo a todos, já que o também atacante Michel Vázquez, nascido em 1990, era a opção natural para ser utilizado. E aproveitando a lesão de Bautista, Torres foi titular na partida contra o San Luís, pelo Clausura. E não decepcionou, ao marcar seu primeiro gol como profissional, no empate por 1 a 1, no Estádio Omnilife, casa do Chivas.

A confiança logo o alçou à vaga permanente no ataque. No total, marcou seis gols nas 19 partidas disputadas no torneio nacional. Entre eles, o gol no clássico de Guadalajara contra o Atlas. Na comemoração, acabou expulso por ter feito um gesto provocativo para os barrabravas adversários. O desempenho meteórico o fez treinar com o elenco mexicano, formado basicamente por jogadores sub-23, que iria representar o país na Copa América, disputada na Argentina. Porém, acabou dispensado para poder reforçar El Tri na Copa do Mundo sub-20, na Colômbia, onde usou a camisa 10.

Começou a competição como reserva, mas participou das sete partidas do México no torneio (quatro delas, como titular). Na principal delas, marcou o pênalti que abriu caminho na vitória diante dos donos da casa, nas quartas de final, por 3 a 1. Na semifinal diante do Brasil, Torres foi o mais perigoso dos mexicanos. Após disputa de bola com o goleiro Gabriel, acabou deixando o camisa 1 com um olho roxo. Pouco depois, testaria a bola para as redes, mas em impedimento. Contudo, o Brasil se impôs e acabou vencendo por 2 a 0, no segundo tempo – o México consolidaria o terceiro lugar no torneio com a vitória sobre a França, por 3 a 1.

Mas antes da disputa do Mundial, El Cubo já estava no noticiário da imprensa esportiva europeia. Além do suposto interesse do Manchester United (que ganhou corpo muito pela semelhança com a trajetória de Chicharito), o atacante teria sido oferecido ao trio de ferro do futebol português e ao PSV Eindhoven. Contudo, ele segue em Guadalajara nesta temporada.

Até por seu físico franzino, a comparação com Hernández acaba sendo inevitável. Mais alto que o compatriota (1,81m, contra 1,73m), Torres faz o estilo mais matador, enquanto Chicharito possui um pouco mais de velocidade e técnica. Porém, os mexicanos o descrevem como letal nas redondezas da área, com boa noção de posição e bom arremate de média distância.

A boa safra dos últimos anos no México sugere um bom futuro para Torres. Mas é preciso um pouco de cautela com o garoto, que também pode ter futuro semelhante ao de promessas recentes do país, como Giovani dos Santos ou Carlos Vela, que diferente de Chicharito, não vingaram no futebol inglês. A nova temporada no Chivas pode dar mais “corpo” a ele para, como o camisa 14 do Manchester United, ser a nova sensação do futebol mexicano. E fazer os torcedores do Chivas sonharem com um ataque caseiro em uma futura formação de La Tri.

Ficha técnica

Nome completo: Erick Estéfano Torres Padilla
Data de nascimento: 19/01/1993
Local de nascimento: Guadalajara, México
Clube que defendeu:
Chivas Guadalajara
Seleções de base que defendeu: México sub-17 e sub-20