28.2.11

Argentina 1, Brasil 0

Enquanto os clubes brasileiros e as redes de televisão se degladiam para tentar chegar a um novo acordo de transmissão do Brasileirão no Triênio 2012-2014, o governo da Argentina anuncia uma medida, no mínimo, irônica e contrastante com a realidade de seus vizinhos e maiores rivais: a partir de 1º de março, o futebol da segunda e terceira divisões do país (Primera B Nacional, Primeira B e Torneo Argentino A, respectivamente) e outros esportes como rúgbi, boxe, basquete, vôlei e tênis serão transmitidos gratuitamente pelo Canal 7, de propriedade do governo, numa medida camada “Esporte para Todos”. Na prática, é a extensão do “Futebol para Todos”, vigente desde 2010 e que transmite todas as partidas do Torneio Clausura e Apertura do Campeonato Argentino gratuitamente, na TV aberta.

A presidente Cristina Kirchner garante que esse avanço para a “popularização do esporte” será pago tão e somente com propagandas comerciais, sendo que o subsídio não partirá diretamente dos cofres do governo (o que parece difícil de se acreditar). Participações argentinas em torneios mundiais, olímpicos e continentais serão transmitidas rotineiramente. Até mesmo competições que não envolvam argentinos, mas que sejam de grande relevância – como a próxima Copa América, que será sediada por eles, terá jogos transmitidos. "Ao 'Futebol para Todos' se soma o 'Esportes para Todos', para que todos possam desfrutar do esporte, todas as pessoas que não podiam ter acesso porque não tinham meios para isso", analisou a presidente.

O acordo firmado com os canais ESPN, Fox e Torneos y Competencias (do grupo Clarín) determina que os canais fechados terão direito a transmitir uma das partidas de determinado evento com exclusividade, enquanto as outras serão veiculadas pelo Canal 7 gratuitamente. Sempre respeitando o “artigo 77”, que listará os torneios relevantes a serem transmitidos com o sinal aberto, determinados com antecedência. Fechado na última quinta-feira, o acordo foi anunciado por Kirchner, ao lado de esportistas como o tenista David Nalbandian, o técnico da seleção argentina de futebol Sergio Batista, o ganhador do ouro olímpico no ciclismo Juan Curuchet, o presidente do Comitê Olímpico Argentino, Gerardo Werthein, e os ex-atletas Guillermo Vilas, Ubaldo Fillol e Agustín Pichot, entre outros de relevância no esporte local.

Naturalmente, as críticas da implantação desse programa passam pelo seu uso durante o período de eleições no país (que acontecerão em outubro de 2011) e a chamada política do “pão e circo”, ocultando outros problemas argentinos com a massiva transmissão de eventos esportivos, usando-os como palanque eleitoral.

Em uma situação diametralmente oposta ao Brasil, não seria correto afirmar que o subsídio das transmissões esportivas fosse uma solução correta ou viável por aqui – penso que o subsídio deve ocorrer com massividade na formação de novos atletas, em todas as modalidades, exceto futebol e vôlei, de mais estrutura, além da influência das grandes redes de TV. Mas a veiculação de diversas modalidades, apesar das críticas citadas, pode se reverter em um benefício relevante: o interesse do público no conhecimento e prática de outros esportes, como basquete, tênis e rúgbi, em que o país portenho é uma das referências mundiais.

Diferente de seus vizinhos, a medida terá algum benefício em favor da população, por mais questionáveis que sejam seus métodos ou fins. Já em terras tupiniquins, TVs e clubes discutem a forma de faturar ou se beneficiar mais, deixando aquele que faz boa parte do espetáculo ter algum sentido em segundo plano: o torcedor/telespectador. A transmissão do futebol no Brasil, em sua maioria, é massiva. Mas, segundo os interesses globais, sempre de forma regionalizada e visando tão e somente a audiência. Tanto que, se um clube carioca ou paulista não está na final de uma Libertadores, por exemplo, o telespectador desses estados é privado de ver times de outras regiões em campo, como aconteceu nas duas últimas edições – onde Cruzeiro e Inter decidiram o caneco continental. O torcedor vê todo o torneio, mas é privado da final, o suprassumo, que passa somente nos canais a cabo. Portanto, é ponto para nossos hermanos.

4 comentários:

Gerson Sicca disse...

Pelo que vi lá, na Argentina não há um canal com tanto predomínio de audiência. Aí fica mais fácil uma medida dessas. Seria como a Cultura ter 15 pontos de audiência na média. Aí o governo teria banca pra entrar na questão.

Felipe Brisolla disse...

Isso é bobagem. Não passa de uma politicagem deslavada do governo pra ganhar adeptos. Mais uma medida popularesca do Governo K. Não é ponto para a Argentina coisa nenhuma. Enquanto o país segue afundando numa crise interminável, com gravíssimos problemas sociais, o governo torra dinheiro público com preocupações secundárias. Não serve como modelo a ser seguido. Além disso, cadeias de televisão inteiras foram lesadas com a medida e a qualidade das transmissões é deplorável.

André Augusto disse...

Felipe, tudo o que falou aí está no texto (que eu acho que vc não leu inteiro). Apesar disso, o telespectador, a grosso modo, será sim favorecido, ao ter acesso a várias transmissões esportivas. Só que no caso, quem comanda os interesses é o governo, não as grandes redes. Questão de quem manda e quem obedece.

Aqui, o tal do Cade demora muito para tomar um parecer e a interferência em favor de quem faz a roda andar (telespectador/torcedor) é quase zero. Por isso, acho ponto.

Pedro Leonardo disse...

Quando estive na Argentina, o futebol e todos as outras modalidades esportivas só eram exibidas na tevê paga (FoxSports, TyC Sports e ESPN). Creio que é um mérito do governo argentino acabar com a predominância das transmissões esportivas na tevê fechada. Mérito também do governo argentino ao regulamentar a "Ley de Medios", enfrentando os grandes grupos midiáticos daquele país, algo que está mais que na hora de acontecer aqui também.

Podemos discutir se a compra dos direitos de exibição de torneios esportivos deve ser ou não prioridade governamental, ou se a exibição deve ser ou não objeto de monopólio estatal. Acho todo tipo de monopólio ruim, seja privado ou estatal, sempre deve haver concorrência. Mas não vejo com maus olhos a tevê pública entrar na disputa pela exibição dos esportes, ainda mais num contexto em que o havia um monopólio privado das tevês por assinatura. Não deixa de ser um caminho de valorização da tevê pública, com autonomia de programação e distribuição de conteúdo (não conheço o regimento da tevê, não sei se o termo seria "pública" ou "estatal").

Aqui no Brasil seguimos com o monopólio da emissora detentora dos direitos de transmissão de quase todas as modalidades, exibindo-as no horário que quiser, quando quiser, ou simplesmente não exibindo, cooptando dirigentes de clubes diversos, que batem a sua porta com pires na mão. Se há um exemplo a não ser seguido é o atual. E não será a Record que resolverá a questão da pluralidade. Mas alguém deixará de reinar absoluto.