25.2.11

Novo marco zero

*Redigido originalmente para a seção "Meninos ganham campeonatos", do Olheiros

Imagine um ídolo do seu clube. Visto como símbolo de uma era vitoriosa, é identificado, inclusive, com toda a cultura e tradição que o moldaram ao longo de mais de um século de vida. Recém-chegado à vida de técnico, nem mesmo o fato de possuir pouca experiência no banco de reservas inibiu a diretoria em chamá-lo para assumir a equipe principal. E, apenas um ano depois, esse profissional comanda uma equipe que venceu tudo o que disputou, acabando com um pequeno jejum de taças. Com cara de roteiro de filme, é assim que podemos resumir a trajetória de Josep Guardiola i Sala. Volante de rara técnica que brilhou nos anos 90 pelo Barcelona, Pep não imaginaria que pudesse alçar os blaugranas às glórias novamente, como já havia feito nos tempos em que envergava a camisa quatro.

Reverenciado como “modernista”, “revolucionário” e um confesso apreciador do futebol bem jogado, poucos sabem que o início de sua trajetória como treinador foi alicerçada, sob os mesmos moldes do time atual, no Barcelona B. Campeão da Tercera División de 2007/08 (equivalente à quarta divisão da Espanha), o comandante usaria algumas peças-chave desta conquista no aclamado time principal, como Sérgio Busquets, Pedro e Jeffrén, entre outros. O ambiente e o futebol criados por Guardiola na filial fizeram com que sua escolha para substituir o holandês Frank Rijkaard, desgastado no cargo, fosse tomada de forma unânime pelos cartolas. O resto é história.

“Guardi”, o autêntico culé

Catalão da pequena Sampedor, “Guardi” (apelido dos tempos escolares) começou no Gimnástic de Manresa. Numa das competições, seu time enfrentaria os jovens do Barcelona, do qual era torcedor, além de frequentador do Camp Nou. Relatos dizem que a paixão pelo clube de coração não fez com que jogasse bem e o Manresa perdeu o duelo. Ainda assim, os olheiros da base do Barça continuavam-no observando e logo o chamaram para integrar o time preparado para as canteras de La Masia (onde fica sediada a base do clube), em 1984.

Segundo reportou o jornalista e escritor britânico Phil Ball, radicado na Espanha, o então técnico do time principal, Johann Cruyff foi ao Mini Estadi – local onde a equipe B manda suas partidas –, e perguntou ao assistente Carles Rexach quem era o jovem magrelo no lado direito do campo, referindo-se a Guardiola. Após os elogios de Rexach à Pep, Cruyff pediu para que o deslocassem para o meio, como uma espécie de segundo volante. O jovem se adaptou à nova função e encantou o cético holandês na hora.

Em 1990, o meio-campista estreava profissionalmente. Com apenas 19 anos, sua liderança e visão de jogo em campo impressionavam. E a ascensão meteórica logo o levou a titularidade da equipe de Cruyff, que ficaria conhecida como Dream Team, ganhando quatro Ligas e uma Copa dos Campeões entre 1991 e 1996. Posteriormente, capitão na era Van Gaal, Guardiola não vivenciaria mais o ritmo de títulos do fim da década. E, em agosto de 2000, uma grave contusão deu início ao seu calvário. Uma série de outras lesões encerraria sua passagem pelo clube como o maior vencedor de ligas espanholas da história culé (seis, ao lado de Rexach) e o segundo maior vencedor de títulos oficiais (16, no total), ao fim de 379 partidas com a camisa blaugrana.

Fora da Catalunha, Guardiola peregrinou e pensou bastante antes de pendurar as chuteiras. Esteve em outros quatro clubes até parar definitivamente. Pela seleção espanhola, a medalha de ouro em Barcelona-92 foi seu ponto alto. Integrante da equipe da Copa de 1994, perdeu os dois mundiais seguintes por conta de lesões. No total, foram 47 partidas pela Fúria e cinco gols.

Caminho familiar

Estudando para a carreira de treinador e sem clube, o meio-campista resolveu se aposentar dos campos, em novembro de 2006. Oito meses depois, ele iria andar por caminhos mais do que conhecidos: o Barcelona o convidou para assumir a equipe B, recém-rebaixada à Tercera División, em julho de 2007.

A primeira experiência como treinador, porém, não apagou a sua forte personalidade, aliada à liderança. Mesmo com a equipe garantida à fase de playoffs há semanas antes do final da fase regional, o técnico fez questão de dizer ao time para não se acomodar com a vaga e buscar o primeiro lugar da chave. Foi o que o Barça B fez. E antes mesmo de garantir a vaga, a diretoria gostou do entusiasmo daquele elenco. Resolveu apostar no inexperiente Guardiola na equipe principal, em lugar do desgastado Frank Rijkaard no comando da equipe principal. Era como se Cruyff voltasse a apostar suas fichas no garoto de 1990, agora com 37 anos.

Pupilos de Guardiola garantem título do Grupo 5 da Tercera: campanha impressionou cartolas blaugranas

Antes da missão maior, porém, Guardiola tinha mais quatro jogos pela fase de playoffs à Segunda División B. E o time subiu com maestria, ao marcar nove gols e sair com sua meta ilesa. Na final contra o Barbastro, o Mini Estadi estava lotado com 10 mil pessoas. E os torcedores viam uma equipe compacta, com disciplina tática e que sabia marcar gols. Em sua primeira experiência como comandante, segundo o próprio site do Barcelona, o aproveitamento do agora comandante era "espantoso": em 36 jogos, 24 vitórias, sete empates e cinco derrotas, com média de 1,9 gols por partida. Estava lançada ali a semente para o segundo “Dream Team”, que superaria o time em que o então volante ostentava a camisa quatro, em relação ao número de taças e recordes batidos.

Outro legado de Pep é o excelente aproveitamento dos novos talentos da cantera de La Masia. Além dos já consagrados, como Victor Valdés, Piqué, Puyol, Iniesta, Xavi e Messi, Guardiola adicionou mais dois talentos da base como peças importantes deste elenco: Sérgio Busquets e Pedro. Enquanto o primeiro era o responsável por auxiliar a defesa e dar maior liberdade aos talentosos meio-campistas, o segundo se tornou uma espécie de “talismã”. Ambos estiveram no elenco da Espanha que se sagrou campeã mundial da Copa de 2010.

E mais de um time inteiro da base saboreou a oportunidade de atuar pela equipe de cima. Bartra, Botía, Muniesa, Fontàs, Busquets, Abraham, Xavi Torres, Thiago Alcântara, Jonathan dos Santos, Gai, Soriano e Jeffrén – quase todos eles estiveram sob as ordens de Pep em La Masia. Mal sabia Joan Laporta, presidente do Barcelona à época, que a decisão por “unanimidade” pela escolha por Guardiola, que recentemente ultrapassou a marca de 100 jogos pela equipe catalã, seria a mais acertada da sua gestão.

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100 vezes Guardiola, do blog Quatro Tiempos

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