30.1.11

Senhor(es) do banco

Corinthians e Grêmio têm jogos decisivos nesta quarta-feira, pela fase preliminar da Libertadores, contra Tolima e Liverpool, respectivamente. Um mau resultado pode minar precocemente as equipes da principal competição de 2011, trazendo prejuízos financeiros e crise com os torcedores. Precavidos, ambos jogarão pelos seus estaduais com um time repleto de reservas na rodada anterior, visando preservar seus atletas fisicamente. E se a Federação Paulista ou Gaúcha tivesse redigido uma cláusula que obrigasse essas equipes a escalar força máxima, visando apenas os interesses das competições estaduais?

Guardados os devidos campeonatos, elencos e proporções, foi o que aconteceu com o modesto Blackpool, recém-promovido à Premier League nesta temporada, após 40 anos de ausência. Na última semana, os cartolas que organizam o torneio puniram os Tangerines, por escalar uma equipe “reserva” na partida contra o Aston Villa, em 10 de novembro. O critério usado pelos homens de sapato social foi a análise das partidas da equipe nos dois meses anteriores à partida contra os Villans, onde levaram em conta o cálculo dos atletas que mais fizeram aparições nesse período, considerando-os como titulares. A multa foi de 25 mil libras (R$ 66 mil), por ferir regras da Premier League, ao “enfraquecer” o time de propósito.

Vale lembrar que a mesma punição foi dada ao Wolverhampton, na temporada passada, em fevereiro de 2010. A diferença crucial foi a abordagem feita pelo técnico Nick McCarthy, dos Wolves. Brigando para fugir do rebaixamento, ele deixou explícito que dificilmente bateria o poderoso Manchester United. Tendo a partida seguinte contra o Burnley, rival direto na zona de degola, ele poupou jogadores para tentar ganhar os pontos contra o adversário direto, escalando os “reservas” contra os Red Devils, três dias antes.

A discussão, no entanto, pauta-se pela ética. O técnico do Blackpool, Ian Holloway, ao contrário de seu colega à época, ficou furioso com a punição e pediu demissão – rechaçada pela diretoria do clube. A primeira falha vem dos próprios clubes, que não ousam questionar uma regra interpretativa, por mais óbvia que ela pareça. Se o objetivo dos cartolas da Premier League é valorizar o campeonato, deveriam usar outros artifícios, frente ao extenuante calendário do futebol do país. Contra o Aston Villa, os Tangerines fizeram o terceiro jogo no intervalo de dez dias. E o time “reserva” perdeu por 3 a 2, buscando o empate por duas vezes e caindo apenas aos 44 do segundo tempo, com o gol de Collins. Vale lembrar que, das 20 equipes do torneio, os Tangerines possuem o orçamento mais modesto. Mesmo assim, ocupam o 12º lugar, seis pontos distantes da zona de rebaixamento – da qual eram os mais cotados a frequentar, nas análises feitas no início da temporada.

O fato é que o Blackpool não entrou para perder; o jogo contra o Villa foi disputado, mesmo não sendo brilhante tecnicamente, o que não desvalorizou o espetáculo (com cinco gols) ou o produto, no caso, o torneio; Holloway escolheu os 11 iniciais dentre a relação de 25 jogadores que é exigida pela Premier League. A análise feita pelos engravatados não leva em conta o calendário, que massacra os pequenos, que obviamente não tem um elenco tão homogêneo quando comparados aos grandes, por exemplo. A escolha foi feita, primordialmente, olhando súmulas. e sem levar em conta índices técnicos e físicos, acompanhados de perto pelo staff do próprio clube. Em suma: a Premier League, não Ian Holloway, definiu os onze titulares do Blackpool.

O futebol na Inglaterra é plural e democrático, no que diz a participação de clubes – grandes, pequenos e até amadores – na terra dos inventores do futebol. O preço é a disputa do Campeonato Inglês, Copa da Inglaterra (FA Cup) e Copa da Liga Inglesa (Carling Cup). Aliadas ao final do ano, com o tradicional Boxing Day (com diversos jogos entre o natal e Ano Novo), os clubes dependem, mais do que nunca, de todo o elenco. E os cartolas da Premier League (ao menos ultimamente) não puniram nenhum grande por tal infração, quando chegava a hora de confrontar equipes mais frágeis, compartilhando calendário com jogos decisivos dos campeonatos continentais como a Champions League ou a Europe League, por exemplo. Tanto que todos os comandantes das equipes tradicionais do país (Carlo Ancellotti, Alex Ferguson e Arsène Wenger, por exemplo), deram declarações efusivas a favor das decisões de Holloway. "Penso que foi severo. Outros clubes já mudaram seus times e os grandes já o fizeram milhares de vezes", cravou Harry Redknapp, técnico do Tottenham, à BBC.

O clube, acima de tudo, vai zelar pelos seus interesses. A função das federações e dos organizadores é, primordialmente, achar um denominador comum para que haja a maior igualdade possível e que os participantes possam jogar num campeonato com dignidade. e justiça O que vêm fazendo os homens de Ian Holloway, até aqui, com bravura. Que estiveram longe de ferir a ética. Quem tem de arcar com a escalação de “titulares” ou “reservas” é a própria agremiação. Mas dentro do próprio torneio, que mostrará se tais decisões eram ou não as mais prudentes.

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