28.10.10

#serrarojas: quando o futebol entrou no campo político

Na última quinta-feira (21), uma das maiores discussões da sucessão presidencial (creio que só perderndo para a polêmica do aborto) tomou conta do país. O presidenciável José Serra (PSDB) foi atingido na cabeça por um objeto, durante uma campanha feita no Rio de Janeiro. Sem entrar no mérito do que atingiu o pessedebista, o fato virou piada na internet. Com a hashtag #serrarojas, chegou ao Trending Topics mundial do Twitter. Acusado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva de fingir uma agressão contundente, Serra foi comparado ao goleiro chileno Roberto Rojas. Que a essa altura do campeonato, todos sabem de quem se trata. Mas a carreira do chileno se resumiu apenas ao "Maracanazzo chileno"?

Rojas é natural da capital Santiago, começando sua carreira no extinto Deportes Aviación. Mas logo o destaque no modesto clube o levou ao Colo Colo, também da capital, maior e mais vitorioso clube chileno. À época do ocorrido no Rio de Janeiro, já era jogador do São Paulo, no qual chegou em 1987 para a suplência do goleiro Gilmar, do qual roubaria a posição. As boas atuações acabariam por depertar a cobiça de algumas equipes espanholas, à época.

Experiente, Rojas já figurava como uma das principais figuras da La Roja, com a disputa das Eliminatórias para a Copa de 1986 e 1990, além do grande destaque obtido na Copa América de 1987, na Argentina. Melhor goleiro daquele torneio continental, Rojas ajudou a eliminar o Brasil, após uma goleada por 4 a 0, ainda na fase de grupos. Devido a sua agilidade, capacidade de organizar a defesa e a visão de jogo, o arqueiro acabou apelidado de Condor – maior ave de rapina do planeta, conhecida pela visão aguçada e natural da região andina.

O Chile vinha razoavelmente bem nas Eliminatórias para a Copa de 1990, onde figurava no Grupo 3, ao lado de Brasil e Venezuela. Somente o campeão da chave teria vaga para o torneio, sediado na Itália. Com a seleção Vinotinto sendo o grande saco de pancadas daquela disputa, a disputa foi acirrada entre os dois rivais. Contudo, a Seleção foi até Santiago e arrancou um empate em um gol com o time da casa, em jogo que rendeu uma punição ao time anfitrião, por hostilidade da torcida local. A equipe teve que sediar a partida seguinte, diante dos venezuelano, na cidade argentina de Mendoza.

Como tinha saldo de gols melhor, um empate garantia o Brasil, enquanto o Chile precisaria vencer o time – comandado pelo fatídico Sebastião Lazaroni – em pleno Maracanã, com ares de decisão. Porém, Careca tornou a missão chilena mais difícil, ao marcar o gol brasileiro, logo no início do segundo tempo.

Em uma ação premeditada antes do confronto, entre Rojas, o zagueiro Fernando Astengo e o técnico Orlando Aravena, ele tinha uma gilete guardada dentro da luva, onde iria simular uma pedrada dos torcedores e se cortar, para que o Brasil fosse prejudicado e o jogo fosse levado para campo neutro ou que o Chile levasse os pontos da partida. Eis que, aos 24 minutos do 2º tempo, um foguete vindo da arquibancada caiu do lado do arqueiro. Era a deixa que precisava para executar seu plano. E alegando falta de segurança, a equipe visitante abandonou o Maracanã, com Condor saindo carregado e sendo fotografado posteriormente com a cabeça enfaixada. Porém, a farsa foi descoberta poucas horas depois e custou ao Chile a eliminação, além de banir a equipe da disputa seguinta, para a Copa de 1994, nos EUA. Jogadores, médico e o presidente da federação local receberam pesadas suspensões.

Outrora herói, Rojas virou vilão e acabou banido do futebol pela Fifa – punição revogada em 2001, já com Rojas aposentado. Além da mancha para o futebol chileno (a Fifa elegeu o episódio como a pior fraude de sua história), o "caso Rojas" rendeu dois neologismos inusitados em seu país natal: "condorazzo" (relativo a Condor, seu apelido) se incorporou ao vocabulário local como significado de "erro grave" e "desastre". E a atitude de mostrar a genitália aos brasileiros, na saída do campo, executada pelo atacante daquela equipe, Patrício Yañez, ficou conhecida entre os chilenos como "fazer um Pato Yañez".

Renegado, Rojas passou inúmeras dificuldades em seu país, jogando partidas beneficentes por alguns poucos dólares. Mas em 1993, voltou ao futebol pela porta da frente, graças ao técnico Telê Santana, que o convidou para ser treinador de goleiros no São Paulo. Mais tarde, retribuiria ao clube, ao levá-lo de volta à Libertadores após 10 anos de ausência, após assumir o time deixado por Oswaldo de Oliveira e conduzí-lo ao terceiro lugar do Brasileirão, em 2003. A Federação Internacional de História e Estatística (IFFHS) elegeu Rojas entre os 12 melhores goleiros sul-americanos do século 20, além de melhor arqueiro chileno da história.

E no melhor estilo Geisy Arruda (somente para se citar um exemplo atual) a torcedora que atirou o foguete no gramado virou celebridade instantânea: Rosenery Mello, conhecida como "Fogueteira do Maracanã", fez o caminho inverso ao do goleiro. Taxada como vilã, depois dos desdobramentos da farsa, a moça ficou famosa e até posou para a edição número 172 da Playboy, pouco tempo depois. Hoje, vive no anonimato, longe da fama e sem desfrutar, a longo prazo, os efeitos dos 40 mil dólares pagos pela revista.

Se o brasileiro tem péssima memória para lembrar das falcatruas passadas dos políticos, provou ter ótima memória do episódio de 21 anos, ocorrido em 3 de setembro de 1989 - coincidentemente, tambem em uma época eleitoral.

Um comentário:

Luís Felipe Barreiros disse...

Quando envolve dinheiro, sempre cabe mais um. O futebol não é mais só dentro das quatro linhas há muito tempo.

Abração,

Luís
porforadogramado.blogspot.com