28.7.11

Malos Aires

Cristina Kirchner e Júlio Grondona: a mistura explícita e explosiva de interesses particulares políticos e do futebol


Se o dia 26 de junho de 2011 foi o mais triste da história do River Plate, um mês depois o futebol argentino escancarava o "jeitinho brasileiro" para fazer de tudo e devolver o maior campeão do país à elite: a AFA, do interminável Júlio Grondona e o governo da presidente Cristina Kirchner deram o pontapé inicial na articulação que, para evitar novas quedas e catapultar o River à primeirona, vai ter 38 clubes em sua primeira divisão a partir da próxima temporada, em 2012/13.

Na proposta de fusão da Primera División com a B Nacional, que deverá ser referendada em outubro, os clubes seriam divididos em dois grupos de 19. Os cinco primeiros de cada grupo, mais os nove melhores na pontuação geral, disputariam, na segunda fase, a Zona Campeonato, enquanto os outros 19 ficariam na Zona Competencia, jogando pela permanência. Trocando em miúdos: os Millionários só não ascenderiam para a primeira divisão caso terminem entres os quatro últimos da atual segundona. Um modesto 16º lugar coroaria o retorno.

Interesses esportivos e políticos confabulam para que esse acordo esdrúxulo tenha tido o aval de 22 dos 26 clubes com direito a voto (Newell's Old Boys, Racing, Vélez Sarsfield e All Boys se abstiveram). No antigo (e já injusto) sistema de promedios – feitos para benefício dos grandes clubes – Boca Juniors, Independiente e San Lorenzo poderiam ter o mesmo destino do River na próxima temporada, pelo baixo índice acumulado nos últimos anos. A "federalização do futebol", como vem sendo tratado o ato, erradica essa possibilidade nos próximos anos. Os pequenos, que pelo antigo sistema, tinham de ter ótimo desempenho pós-acesso para não serem rebaixados, também abraçaram a novidade sem nenhuma vergonha. Além de fazer parte da nata, o dinheiro proveniente das cotas de TV é generoso.

Já o governo, que investiu R$ 1,2 bilhão para estatizar os direitos de TV, usou a sua "mercadoria" como instrumento político para as eleições deste ano para a presidência. Além dos comerciais de cunho político em meio às transmissões do esporte mais popular do país, o qual controla desde 2009 como uma espécie de CBF estatal, a medida também é um golpe contra o grupo Clarín, de oposição a Cristina Kirchner, que tinha contrato vigente com a Nacional B. O vínculo será suspenso. Profundo entendedor do futebol do lado de lá do Rio da Prata, o jornalista Mauro César Pereira explica, em detalhes, a relação de Grondona e o governo desde a época da ditadura e o uso da bola como plataforma política nesta última Copa América – algo que já está sendo feito por aqui para a Copa do Mundo de 2014.

Além do flerte escancarado entre política e esporte (que sempre existiu, na maioria dos governos populistas), o inchaço da elite do futebol portenho deve derrubar a competitividade de um dos melhores torneios nacionais do mundo, rendido a uma indecrifrável fórmula do mata-mata e que dá margem a outras viradas de mesa, caso os grandes times voltem a patinar no futuro fantasma que rondou o futebol brasileiro por muitos e muitos anos.

A lama na liga vai de encontro à ofuscada seleção argentina, que demitiu Sérgio Batista após a eliminação para o campeão Uruguai na Copa América. A AFA paga pela aposta em Maradona nas últimas Eliminatórias. O maior ídolo dos argentinos não soube adequar um esquema de jogo que favorecesse aos ótimos jogadores de frente da Albiceleste, que brilham individualmente no futebol europeu – mais que os brasileiros, inclusive. Mas que precisa reconstruir sua defesa e meio-campo defensivo, além de achar a melhor forma de fazer Messi render algo parecido com que ele faz no Barcelona, Agüero no Atlético de Madrid, Pastore no Palermo...um processo demorado que teria grandes chances de ver seu final de competição parecido com o de Batista.

Mesmo após fechar com Alessandro Sabella, campeão da América pelo Estudiantes, em 2009, a Argentina ainda deve depender, neste início de novo trabalho, da individualidade de seus talentos. Porque se depender do coletivo de seus dirigentes...

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