2.12.10

Copas mercadológicas ou desbravadoras?

Blatter anuncia Qatar como sede da Copa de 2022: ineditismo e muito dinheiro para gastar pesaram decisivamente

Nesta quinta, em Zurique, a Fifa definiu os países incumbidos de organizar as Copas seguintes ao Mundial do Brasil, em 2014: Rússia (2018) e Qatar (2022) terão a chance de receber o mundial pela primeira vez. "Nós vamos para terras novas", disse o presidente da entidade, Joseph Blatter, argumentando a ida da competição para países inéditos sob essa bandeira. Mas não foi o principal peso na balança dos 22 membros do Comitê Executivo. Aliás, uma eleição manchada pelas denúncias de propina em troca de apoio, que culminaram na queda de dois membros desse comitê: o nigeriano Amos Adamu e o taitiano Reynald Temarii.

Desde que a Fifa implantou o sistema de rodízio entre continentes para sediar a Copa, em 2006, passou verdadeiros apuros com a África do Sul – que no fim, realizou a Copa sem problemas muito relevantes – e sofre para emplacar a série de obras prometidas pela candidatura brasileira para 2014, permeada pela politicagem e interesses diversos, sob o olhar passivo do presidente da CBF, Ricardo Teixeira.

Que fique claro que acho russos e qataris tem chances de organizarem grandes torneios. Melhores até que o Brasil, antecessor de ambos. Porém, a dupla está entre as maiores produtoras e exportadoras de petróleo do planeta. E é daí a principal força motriz para a escolha: dinheiro não será problema para atender as inúmeras exigências da Fifa, que cada vez mais quer ter controle sobre todas as nuances da organização do torneio. E dentre todas as candidatas aos dois Mundiais, Rússia e Qatar tinham os piores critérios técnicos, estabelecidos pela própria entidade.

O antagonismo começa dentro dos próprios territórios. Enquanto os russos possuem a maior área territorial do globo (tanto que engloba Europa e Ásia), o Qatar tem território com quase metade da área do estado do Sergipe, o menor entre todos do Brasil. O maior problema apontado na sede de 2018 é o transporte, principalmente com o defasamento da malha aérea. O Qatar tem um ousado projeto de ligar todos os estádios por uma malha ferroviária, dada a pequena distância entre as sedes. Porém, vai começar a construção de ferrovias praticamente do zero. Aeroportos e rede hoteleira também não comportariam uma estrutura de Copa.

Aí entra uma fonte quase que inesgotável de dinheiro. A Rússia orçou gastos US$ 3,8 bilhões (R$ 6,5 bilhões) somente em estádios, e US$ 11,5 bilhões (R$ 19,8 bilhões) em melhoria da infraestrutura. Para erguer estádios da areia, os qatarianos prometem US$ 3 bilhões (cerca de R$ 5,1 bilhões). Juntando os dois eleitos, serão erguidos 22 novos estádios. Inglaterra, Portugal/Espanha e Estados Unidos, por exemplo, precisariam de pouquíssimos investimentos para se adequar, já que possuem infra-estrutura sólida e arenas relativamente novas.

Projeto do Doha Sport Stadium, no Qatar: belos e faraônicos estádios marcarão primeira Copa no Oriente Médio

Apesar da candidatura russa não ser a melhor, o país – integrante do chamado Bric (Brasil, Rússia, China e Índia, maiores economias emergentes do planeta) – é tradicional no futebol (principalmente, nos tempos de URSS), tem uma liga relativamente rica, técnica, forte e terá mais benefícios, tanto no campo esportivo, quanto na área de infraestrutura. Mas assim como o Brasil – escolhido por ser candidato único das Américas – a Rússia convive com escândalos de corrupção.

Além disso, há o fato de possuir bilionários investindo com força na compra de clubes de futebol, dentro e fora do país., na última década. O maior exemplo é Roman Abramovitch, dono do poderoso Chelsea. Alexander Gaydamak teve em suas mãos o Portsmouth, afundado em dívidas e rebaixado à segundona inglesa na última temporada. Proprietário do tradicional Spartak Moscou, Leonid Fedun mostrou interesse de adqurir a Roma. Ambos têm como parte dos negócios grandes petrolíferas, como a Lukoil e a Sibneft (adqurida pela estatal de capital aberto Gazprom, uma das líderes mundiais em combustíveis fósseis).

Já o Qatar, segunda maior renda percapta do mundo (R$ 206 mil por habitante/ano), não é um país pobre/em desenvolvimento e que precise desenvolver ou incentivar o futebol local. No campo ineditismo, a Austrália poderia perfeitamente sediar a primeira Copa na Oceania – EUA, Japão e Coreia do Sul já sediaram Mundiais recentemente. Doha, capital do país árabe, é grande centro de negócios, movimentado canteiro de obras e fonte de muito dinheiro. Zinedine Zidane foi seu principal garoto propaganda e o último clássico envolvendo sete títulos Mundiais, entre Brasil e Argentina, foi sediado na capital qatari. Com a bola rolando, o país já ofereceu dinheiro a jogadores para se naturalizar pelo país (que jamais foi a uma Copa) para fortalecer sua seleção, prática podada pela própria Fifa. Ex-São Paulo, o meia Fábio Montezine integra a seleção local, ao lado do zagueiro Marcone Amaral, revelado no Vitória, além de um uruguaio e dois oriundos do continente africano.

O caso é semelhante a escolha do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos de 2016: muitas obras a serem feitas. Resta saber o que interessa ao COI e a Fifa. Se usar torneios gigantescos como Copa e Olimpíada como instrumento para incentivo do esporte e desenvolvimento econômico e social ou como chance de faturar, tendo como foco principal um grande balcão de negócios a competição em si. Fico com a segunda opção, infelizmente.

2 comentários:

Luís Felipe Barreiros disse...

Essas Copas foram escolhidas pelo quesito 'política', sem dúvidas. Mas, acredito que a do Catar vai surpreender muita gente! Já a da Rússia, não sei não...

Abração e e hoje tem entrevista exclusiva no blog!

Espero você lá,

Luís
porforadogramado.blogspot.com

Pedro Leonardo disse...

Apesar dos mafiosos bilionários donos do petróleo e das principais companhias privatizadas após o fim da URSS, a Rússia ainda tem alguma tradição, uma história com o futebol e o esporte da época da União Soviética. Mas claro que Blater e a FIFA só pensaram na grana ao escolher a Rússia como sede.

O Qatar então... nem se fala. Vai fazer uma Copa "fake plastic football", para milionários torrarem dinheiro nas suas praias artificiais, nos hoteis vinte e sete estrelas, naqueles projetos de um mau gosto danado. A lógica é a mesma da F-1: expandir mercado em países endinheirados, mesmo que não tenham tradição ou comprometimento algum com o esporte.

Como disse o Flávio Gomes, "afinal, Copa é festa. O futebol é quase detalhe".